“Geografia da Fome” de Josué de Castro
Lembro-me de, na altura da escola, estudar mapas de todos os tipos. Mapas hidrográficos, com todos os lagos e rios do Brasil. Mapas de relevo, de clima, de biomas. Até mapas que contavam histórias de grandes acontecimentos.
Mas e a fome num mapa do Brasil eu conheci na faculdade de nutrição.
Quem o fez foi Josué de Castro, médico, geógrafo, professor, escritor e ativista contra a fome.
Luciana Kimie apresentou no “Papo à Mesa” Verakis o livro “Geografia da Fome” deste autor, publicado em 1984. De cunho científico, embasado em dados sólidos, ele mostra como podemos analisar o Brasil pelas lentes da fome. Fome, que segundo Josué de Castro, não é um acaso, mas sim um fenômeno com dimensões geográficas e políticas. O autor subdividiu o país em quatro regiões: área amazônica, nordeste açucareiro, sertão do nordeste e centro sul.
Na região amazônica, eram poucas pessoas em comparação com a dimensão enorme de áreas e uma floresta rica e biodiversa, mas nem por isso todos comem bem: uma região explorada por seus recursos, via, assim, as consequências graves da fome na saúde dos que lá viviam. Já no nordeste açucareiro, uma região com características diferentes, a fome também se apresentava. A região, com um histórico de exploração e escravização, tinha mais pessoas em um mesmo espaço, muitas a trabalhar no interior nas lavouras de cana-de-açúcar. Nessa parte do mapa da fome, o problema principal não seria a falta de alimentos, mas a quantidade limitada de grupos importantes como frutas, verduras e carnes.
Não muito longe da segunda área, temos o sertão nordestino. Sim, aquela parte do nordeste brasileiro que sofre com um clima seco. Lá, pela falta de alimentos e água, a fome se expressa na magreza extrema, e portanto, muitos fugiram desta região, ocasionando um êxodo rural. A última área, que não por acaso, é também a maior, consiste no restante do país, contabilizando suas zonas central e sul. Nessa área, o consumo de frutas e verduras é maior, a fome se apresenta com deficiências alimentares mais discretas. É interessante também que, se colocarmos uma lupa nessa área, enxergamos essas deficiências se concentrando em regiões específicas, juntos às populações mais pobres.
É com esse olhar geográfico que percebemos que a fome não é um fenômeno biológico aleatório. Muito pelo contrário, ela muitas vezes tem endereço. Josué de Castro assim sugere que as regiões mais ricas dediquem cuidado e atenção àquelas regiões mais pobres.
Ainda que o livro tenha sido escrito no século passado, ele se mantém muito atual. Como a Luciana destaca, "a desigualdade no Brasil se estende até os dias atuais, onde poucos enriquecem muito, e a grande maioria continua vivendo com pouco, e assim, segue vivendo com fome".
Texto de Lauren Yurgel, estagiária Verakis, nutricionista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Sobre a apresentadora
Luciana Kimie Savay da Silva – Cientista de Alimentos, Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), Doutorado em Química na Agricultura e no Ambiente (CENA/USP). Atualmente é Presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA) de Cuiabá. Também é docente no curso de graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, da Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT e professora colaboradora nos programas de pós-graduação em Ciência Animal e no de Nutrição, Alimentos e Metabolismo, ambos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Tem experiência na área de controle de qualidade de alimentos; análises físico-químicas; desenvolvimento de produtos; sistemas de qualidade (Boas Práticas de Fabricação-BPF, Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC, Boas Práticas de Laboratório-BPL e 5S); e tecnologia do pescado.