O terceiro fenômeno está relacionado ao fato de que a ciência costuma ser expressa em termos dilemáticos, de modo que apenas duas soluções são propostas para problemas, normalmente extremos e opostos.
Esse fenômeno é bem visível no caso da vacina: como já vimos, ela é obrigatória ou voluntária? Preservação ou liberação de patentes? Em nenhum momento da discussão de qualquer uma dessas decisões altamente controversas foram acomodados cursos de ação intermediários.
Esse viés de dilemático em que todos os problemas éticos que surgem da pandemia levam a dilemas, se deve à busca por soluções rápidas e eticamente intransigentes em uma situação de emergência e grande expectativa.
Infelizmente, boas decisões sobre questões importantes são apenas o resultado de uma reflexão cuidadosa. E geralmente são justamente os cursos intermediários, que exigem mais tempo e dedicação para serem encontrados, que são capazes de evitar o sacrifício de direitos conflitantes.
Em correlação com o viés do dilema e motivado pelas mesmas causas, o quarto fenômeno que surge na pandemia é o recurso ao utilitarismo.
A abordagem utilitarista justifica a compensação interpessoal de vidas humanas entre si, por meio da maximização de supostos benefícios coletivos.
Essa abordagem que usa as pessoas como meios para os fins de outros ignora completamente o conceito universal de dignidade humana.
Dentro do paradigma do utilitarismo, está o conceito de valor social, termo amplamente utilizado na bioética. Considerando o valor da dignidade humana, todo ser humano deve ser reconhecido como socialmente útil em virtude de ser humano.
Recorrer a este conceito significa, como poderia ser de outra forma, a suposição de que alguns indivíduos terão mais valor do que outros; algo inadmissível considerando que a dignidade das pessoas não depende de sua utilidade.
Em nenhum caso o valor de um ser humano pode ser rebaixado a ponto de substituir sua dignidade e moral por sua utilidade.
Alberto Berga Monge – Madrid, 06 de abril de 2022.
O Prof. Dr. Alberto Berga Monge é médico veterinário espanhol, professor e colaborador Verakis, professor colaborador da Universidade de Zaragoza, auditor da União Europeia e diretor da AMB Consulting, e escreve para o blog da Verakis.
Imagem: photobyphotoboy
Leia a parte 1 da refelexão:
Ciência, política e cidadania – Parte 1
