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2020

Alimentação e Covid-19: Por trás da crise sanitária, o risco alimentar

Resumo da conversa online com Jean Pierre Poulain, explorando como o confinamento mudou os hábitos alimentares e desafiou a cadeia de abastecimento de alimentos.

PAINEL VERAKIS ONLINE – CONVERSA COM JEAN PIERRE POULAIN em 18 de Maio de 2020

1 O que o confinamento mudou nas maneiras de comer ? Esta questão pode ser considerada em diferentes âmbitos.

No âmbito doméstico, o confinamento trouxe todas as refeições que comíamos fora de casa para dentro. Das cantinas das escolas e do local de trabalho, por exemplo, mais de 20 a 25% das refeições foram trazidas de volta para a casa.

Tornou-se então necessário decidir, produzir e consumir no espaço doméstico. A comida se tornou central, do ponto de vista do tempo gasto, interações sociais, carga mental, oportunidades de convívio e prazer compartilhado; mas também de conflitos e restrições.

No âmbito da cadeia de alimentos, uma redistribuição de papéis priorizou os supermercados, por uma lado por causa da situação delicada em que se encontrou a concorrência (feiras livres fechadas ou atividade reduzida do comércio de alimentos), e por outro por causa da limitação de saídas, que o tornaram-se o principal canal de suprimentos.

Os perdedores foram os produtores e artesãos que trabalham para o setor do “food service”: pescadores, produtores de queijo sofisticado… Aqueles que pacientemente organizaram os circuitos curtos de distribuição.

2 Os privilegiados do confinamento: as classes médias do setor terciário, dos serviços, com emprego garantido.

Para aqueles que puderam ficar em casa enquanto trabalhavam em equipe, a vida familiar foi reorganizada em torno da comida. Eles voltaram a cozinhar, confeitar e assar pão, as crianças convidadas a colocar a mão na massa … a alimentação. Eles se encontravam, compartilhavam, transmitiam, mostravam orgulho pelo que faziam … Eles postaram nos grupos do Facebook ou Instagram ou WhatsApp. A cozinha e seu entorno tornou-se o laboratório para as lições de física e química, matemática, a grande história do mundo e a doce história da família (Ah, as receitas das avós …). O real estava na cozinha: mal pesado e dá errado, muito tempo no forno e queima. Há o compartilhamento, mas também às vezes os conflitos e brigas.

Muitos estão economizando dinheiro, não gastam mais com combustível para se deslocar, com shows ou cinema, compram apenas o estrito necessário. Para quem tem um salário garantido, esta é a ocasião de economizar. Em dois meses, a “poupança” na França aumentou 50 bilhões de euros.

Para outros o confinamento rima com preocupação e quanto mais a duração do confinamento aumenta, mais a preocupação com o futuro aumenta.

A parte da “sociedade de enfrentamento”, desde as linhas de frente dos cuidadores até os vários níveis de logística vital (cadeias alimentares, transportadores, coletores de lixo, e uma cascata de fornecedores) está experimentando um « normal exacerbado »; mais riscos, mais restrições, mas também um feedback mais positivo e um sentimento merecido de uma certa (re) valorização… Para esta parte da sociedade, os chefs com ou sem estrelas, apoiados por seus fornecedores, cozinhavam de graça. Para ela, aplausos e desenhos no lixo … Ela só espera que tudo isso seja perene.

3 Mas este vírus não gosta dos pobres…

Há também os perdedores do confinamento. Todos aqueles que não são eletivos para o desemprego técnico, para os auxílios e ajudas governamentais ou outras, todos aqueles que trabalham em contextos fracamente institucionalizados.

E mais amplamente, todos aqueles para os quais as ajudas indireta relacionada à alimentação que subsidiam o custo das refeições (cantinas escolares e restaurantes de empresas). Ajudas indiretas que desapareceram da noite para o dia. Eles tiveram que assumir o preço total das refeições. Para eles, a comida durante o confinamento é principalmente um problema econômico. As associações de apoio e ajuda viram as demandas aumentar.

4 Uma crise sanitária e crises alimentares a temer

Uma incrível série de decisões em cascata de confinamento em países desenvolvidos e em desenvolvimento, colocando as economias de grande parte do mundo à espera ou em desaceleração. Essas decisões são baseadas na hierarquização de riscos e impõem a prioridade ao risco sanitário sobre o alimentar. Sua legitimidade está na velocidade com que o risco vital se expressa.

No entanto, em economias onde a participação no comércio informal é grande e onde os amortecedores da perda de empregos são fracos ou inexistentes, devemos esperar por consequências muito sérias com amplificação dos riscos alimentares, e o número de vítimas pode ser muito alto. Além disso, riscos alimentares e de saúde estão relacionados. A falta de alimento mata diretamente, mas principalmente indiretamente, porque a nutrição (principalmente na infância) aumenta o risco de doenças comuns para um indivíduo adequadamente nutrido.

Mais uma vez a antecipação é essencial. O enfrentamento da onda que se aproxima pressupõe a mobilização de recursos internacionais, dos estados, associações e solidariedade familiar e comunitária.

Jean Pierre Poulain, Toulouse, 18 de Maio de 2020

Jean Pierre Poulain “é um sociólogo francês. Professor de sociologia na Universidade Toulouse Jean Jaurès, dirigiu o ISTHIA (Instituto Superior de Turismo, Hotelaria e Alimentação) de 1999 a 2018 e co-anima o eixo SANTAL ( Saúde e Alimentação) do CERTOP, UMR-CNRS 5044. Desde agosto de 2012, exerce a cátedra “Estudos de Alimentos: Alimentos, Culturas e Saúde”, criada em conjunto pela Universidade de Taylor em Kuala Lumpur (Malásia) e pela Universidade de Toulouse 2 Jean Jaurès. Ele é co-diretor do professor Ismail Noor, da Universidade de Taylor, no Laboratório Associado Internacional (LIA-CNRS): “Alimentos, Culturas e Saúde”.”
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Imagem de Steve Buissinne por Pixabay