A alimentação constrói socialmente a identidade, tanto as identidades culturais (nacionais e religiosas), como também uma comunidade com diferenciações de posições sociais, pertences regionais e estilo de vida diversos.
Se os conhecimentos biológicos definem uma alimentação equilibrada, os meios para praticá-la são inúmeros, tanto no formato, quantidade e nas formas de preparações culinárias.
Em contraponto, ao desconsiderar aspectos sociais e culturais e promover esses modelos alimentares ao meio social, ignora-se o fato de que essa cultura elitista não é para todos.
Dessa maneira, hábitos culturais como: comer com os dedos e respeitar proibições religiosas quanto a alimentação, são considerados como práticas desviantes ou “anormais”. O ideal é que se considere a laicidade nas escolas de crianças como regra social e de respeito mútuo., para evitar descriminações pautadas em comportamentos alimentares.
Além disso, a veiculação de informações sobre nutrição, na ausência de provas e argumentação científica, embasa o discurso de medicalização da obesidade e educação nutricional, principalmente entre os não especialistas.
Nesse viés, a comunidade médica deve estar ciente que pode legitimar cientificamente a estigmatização de obesos, além de receitá-los a uma alimentação problemática.
Além disso, a preocupação com a nutricionalização alimentar e o peso degradam os sistemas alimentares. Assim como a estigmatização da obesidade e os seus sistemas de valores causam impacto sobre a transmissão e apropriação dos modelos alimentares. Como consequências disso, as desigualdades sociais e o agravamento de condições sanitárias.
A socialização alimentar é um ponto muito importante para o indivíduo que assimila normas e valores sociais em se tornando um membro de determinada comunidade.
Existe também a questão da transmissão de valores arraigados a cada geração. Por isso, a intervenção na alimentação infantil é tão complexa, já que a alimentação transmite esses valores.
Existem tipos de socialização: a primária, que se opera na família e tem agentes como a televisão e a publicidade como aliados à obesidade; a secundária, que se ocorre na escola e tem um papel importante no aprendizado alimentar desde o prazer às dimensões culturais; e a terciária, que acontece no trabalho.
O livro “Sociologia da obesidade” de Jean-Pierre Poulain, que fala sobre os sistemas de valores quanto ao corpo, à alimentação e sua a relação com o do desenvolvimento da obesidade. Para a diferenciação social da obesidade é proposto que as posições sociais a determinam e o estatuto de corpulência determina essas posições. Dessa forma, os sistemas de valores relacionados ao corpo e à imagem corporal, tem reflexos sobre a socialização e comportamentos alimentares.
Logo, é necessário haver uma separação entre obesidade e sobrepeso das dimensões médicas e sociais no problema.
Como também, não faz sentido priorizar a magreza a fim de evitar a obesidade, algo sem fundamento e perigoso, já que não existe um peso ideal para todas as pessoas, mas sim, corpos diferentes que se encaixam em uma zona ampla de peso que abrange da educação nutricional à alimentar e o prazer.
Texto: Ana Clara Lemos de Paula
Curadoria e edição de texto: Paula de Oliveira Feliciano
Edição/popularização científica: Juliana T. Grazini dos Santos
Referências
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologia da obesidade. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2013.
Ana Clara Lemos de Paula é graduanda em Gastronomia no Centro Universitário Senac Campos do Jordão e estagiária da Verakis.
Paula de Oliveira Feliciano é mestra em Culturas e Identidades Brasileiras pelo IEB/USP, graduada em Gastronomia e pós-graduada em Docência para o Ensino Superior. Atua como coordenadora de Projetos Verakis Brasil e como professora nos cursos de graduação e pós-graduação em Gastronomia no Centro Universitário Senac Campos do Jordão. Em 2018, passou pelo programa de estágio da Fundació Alícia/Espanha, centro de pesquisa em cozinha, sustentabilidade e impacto social. E, em 2019, pelo Observatori d’Alimentació da Universitat de Barcelona (ODELA-UB), acompanhando atividades na linha de pesquisa turismo gastronômico.
Juliana T. Grazini dos Santos – Doutora em Informação e Comunicação/Jornalismo Científico/Popularização Científica pela Universidade de Paris 7(Denis -Diderot), vive há mais de 20 anos na França, onde pesquisa e desenvolve trabalhos de jornalismo científico, popularização da ciência e comunicação nas áreas de alimentos, alimentação e nutrição; presidente da Verakis (França), conceptora e diretora do curso de Especialização em Marketing de Alimentos Verakis (Europa); membro do grupo de estudos de informação ao consumidor do Fundo Francês para Alimentação e Saúde (FFAS) e curadora de cursos na área de alimentos e alimentação na Europa, América Latina e Brasil.
Imagem: capa dp livro Sociologia da Obesidade – Editora Senac