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2022

Fake news, info, intox, infoxicação…

Informação científica distorcida afeta debate público e promove desconfiança na ciência.

A tão precisosa informação (reunião ou conjunto de dados e conhecimentos organizado, que possam constituir referências sobre um determinado acontecimento, fato ou fenômeno – https://www.significados.com.br/informacao/) se deturpou de tal maneira que além de falsas são intoxicantes.

No editorial do mês de janeiro de 2019 da revista ” Les cahiers de l’Université René Descartes”, Fréderic Dardel, presidente desta universidade, escreveu um texto, entitulado “Fake news, info, intos, infox…”, que mereceu a tradução para a reflexão dos colegas lusofonos.https://cahiers.parisdescartes.fr/wp-content/uploads/2019/01/Cahiers-Paris-Descartes-janvier-2019.pdf

“A “atualidade” está repleta de temas controversos em que o a dimensão científica é central. Batalhas de especialistas, argumentos de autoridade, contestação e denigração de todos os tipos poluem debate público.

A ciência é sempre questionada e criticada quando entra em conflito com agendas políticas, interesses econômicos ou crenças individuais de cunho filosófico ou religioso.

Vemos que existe hoje um questionamento generalizado da perícia científica em muitas dessas questões sociais conflitantes (vacinas, aquecimento global, OGM, medicamentos “alternativos”, pesticidas …).

Parte dos mecanismos que levam a essa desconfiança em relação aos cientistas é antiga: a ciência é construída sobre a curiosidade e a dúvida, enquanto a sociedade e a política esperam certeza e soluções.

A abordagem científica e o espírito crítico que pressupõe a discussão de um tema nem sempre são compreendidos pelo público. A tradicional expressão cautelosa dos cientistas é por vezes tomada por uma forma de incerteza ou constrangimento que abre a porta para a denigração.

A desconfiança do conhecimento científico também é ampliada por novos contextos : grupos de influência invadem a mídia e um fluxo constante de contra-informação explode nas redes sociais.

Autoproclamados especialistas, sites ativistas transmitem mensagens opostas ao consenso dos cientistas. Eles denigrem estes ùltimos, muitas vezes qualificados como “vendidos para o lobby BigPharma / agronegócio / indústria química …”.

É verdade que alguns casos de fraude no mundo científico podem ter alimentado suspeitas, sem representar as práticas de nossa comunidade.

Internet e redes sociais promovem a formação dessas comunidades ativas que retransmitem essas mensagens, incutindo dúvidas, e às vezes chegando a uma forma de conspiração. Muitas vezes com muitos atalhos, misturando coincidências e anedotas, independentemente da validação, estatísticas ou evidências de causalidade.

O público tem poucos “armas” para resolver esse fluxo heterogêneo de informações . Essas comunidades ativistas por vezes se transformam em lobbies reais, mais ou menos formais, os extremos indo para o desvio sectário. Eles formam o terreno fértil da pseudociência e sua procissão de “especialistas”, muitas vezes produtores de uma literatura sensacionalista apoiando suas teses.

Quando essas comunidades são grandes o suficiente, elas têm a impressão de legitimidade democrática que lhes permite impor o seu ponto de vista às autoridades públicas.

No entanto, a ciência não é uma democracia: a verdade científica não depende de uma pesquisa ou uma eleição, mas depende de evidências estabelecidas por uma abordagem rigorosa.

É missão da Universidade o avanço da Ciência, capacitar seus alunos no processo científico e no pensamento crítico e contribuir para a disseminação do conhecimento científicoestabelecido com o público.”

Eu adicionaria ao texto maravilhoso de Fréderic Dardel que não somente a Universidade, que a missão deveria ser compartilhada com organismos de formação, para preparar profissionais para o rigor da aquisição de conhecimento, preparà-los para lidar com o contexto atual de “infoxicação”.

Uma das missões da Verakis é melhorar o fluxo e a qualidade das informações sobre alimentos e alimentação destinadas aos mais diversos público. E a grande ressalva é que profissionais técnicos têm muita dificuldade para se colocar adequadamente neste contexto da “infoxicação”, acreditando saber informar pelo fato de terem acesso facilitado à informação, ou delegando-a. Grande erro! Para informar é importante aprender o processo e as ferramentas de informação e comunicação para gerir a qualidade da informação veiculada.

Juliana T. Grazini dos Santos – Presidente Verakis (Paris, 10 de maio de 2019)

Imagem: Lightspring