03
.
12
.
2020

DA SEMENTE AO BROTO VERAKIS – PARTE 5

Reflexão sobre hábitos alimentares como construtores de identidade social mais que fisiológica, destacada na tese de Juliana T. Grazini.

Continuando minha formação, minhas reflexões evoluiam.

c) Os hábitos alimentares são mais uma questão social do que física.

Rab Bonder (1977) aponta: “As pessoas frequentemente comem por outros motivos que não a fome.”

Por exemplo, uma família desfavorecida compra mamão papaya, que é uma fruta cara, simplesmente porque os personagens da última novela vista na televisão compram; ou, alguns acham preferível adicionar água ao leite oferecido à criança em vez de amamentar; ou ainda, notamos que os saquinhos de batata frita são mais baratos que o arroz. Em suma, percebemos que, na prática, os hábitos alimentares são muito mais do que uma respostas às necessidades fisiológicas.

Observações como essas me ajudaram a entender que a comida é uma forma do ser humano construir sua identidade pessoal e social. Como quando os adolescentes recusam alimentos considerados infantis (leite) e aumentam o consumo de bebidas alcoólicas para se afirmarem como adultos (Ilmonen, 1990). Ou quando, no Brasil, as pessoas se recusam a comer uma banana por ser considerada uma fruta “pobre”.

As pessoas comem de acordo com seus valores familiares, religiosos, culturais, sociais, emocionais ou econômicos, e não para atender suas necessidades fisiológicas de forma informada pelo conhecimento. Elas então agem de uma forma reforçada da sua ignorância.

O comportamento alimentar humano está sujeito a muitas variações, desde os processos mecânicos de ingestão de alimentos até a multiplicidade de atitudes, sentimentos, sensações, experiências, motivações, processos de aprendizagem e fisiológicos. que acompanham e, muitas vezes, determinam a escolha dos alimentos, sua quantidade e sua ingestão (Barros, 1997).

As atividades práticas levaram-me a perceber: a ciência da nutrição mostrou uma forte relação entre a alimentação e certas doenças, o que criou uma necessidade de prevenção alimentar. Desde essa consciência, muitos fatores “parasitas” perturbaram ou distorceram a mensagem preventiva.

As respostas / soluções foram fornecidas para necessidades muitas vezes criadas do zero ou colocadas fora de um contexto apropriado. A prevenção também deve levar em consideração o psiquismo característico de cada indivíduo, bem como a sociedade em que atua.

A falta de clareza (pretendida ou não) das mensagens preventivas, com sua parcela de alarmes e recomendações diárias, faz com que a população esteja sempre em busca de produtos de confiança, fontes verificadas ou dispensadas de seus elementos ditos patogênicos. Além disso, sentem necessidade de consultar cada vez mais especialistas ou assessores.

Tudo isso com certeza é a felicidade dos fabricantes e profissionais do setor de alimentação e nutrição, mas não é certo que o equilíbrio geral do ser humano seja benéfico.

Curiosamente, quanto mais a ciência da nutrição evolui, quanto mais os hábitos alimentares se degeneram, mais o estado nutricional e a saúde das populações se deterioram e mais ciência é necessária para corrigi-los. Quando os humanos comiam empiricamente, guiados pela intuição e não pela ciência, a saúde pública não se deparou com epidemias de anemia, por exemplo.

O segundo estágio ocorreu em uma “cozinha coletiva”, neste caso no refeitório da Universidade Federal de São Paulo. Rapidamente percebi que cada campo de aplicação da ciência da nutrição exigia predisposições adicionais mais adequadas às especificidades de cada campo. Gerenciar refeições coletivas requer mais habilidade em economia, como contabilidade, do que em ciências biológicas, devido às restrições orçamentárias.

Também fiquei surpresa com a dificuldade de mudar hábitos usando argumentos resultantes do conhecimento científico. Por exemplo, todos os funcionários da cozinha, embora bem treinados na aplicação dos princípios da higiene alimentar, negligenciavam a aplicação dos princípios, mesmo, e talvez acima de tudo, para seu próprio uso pessoal.

Segundo Leclercq (1987, em Andrien e Beghin, 1993: 13): “Nem o indivíduo nem o grupo governam sua conduta de forma completamente racional: a transmissão de novos conhecimentos raramente é suficiente para modificar o comportamento. A educação nutricional também deve perseguir objetivos emocionais, objetivos definidos em termos de motivação, autoestima e valores. ”

Os hábitos alimentares dos adultos fazem parte da sua identidade. São determinados, desde a infância e adolescência, por sua família, ambiente social, cultural, econômico, etc. Mudar um hábito tentando transmitir noções teóricas de maneira formal é uma tarefa muito difícil e muitas vezes ineficaz.

As técnicas de marketing (que invadem a nossa vida) têm, sem dúvida, mais sucesso porque vão ao encontro das tendências menos nobres dos nossos contemporâneos: credulidade, vontade de aparecer, vaidade … Neste caso, a mudança de hábitos alimentares é rápida, mas da maneira errada.

Comemos muito e, no entanto, não nos nutrimos adequadamento; o alimento perde sua identidade, o alimento se transforma em pó. Comemos mal e engolimos cápsulas por cima. Os sabores tornam-se uniformes. O prazer de cozinhar desaparece em nome da conveniência. A identidade humana em relação à comida é cada vez mais apagada. É uma reminiscência das colonizações, quando as culturas indígenas foram exterminadas em favor das chamadas culturas superiores, a única diferença é que hoje em dia as coisas são feitas em nome da economia.

Juliana T. Grazini dos Santos – Doutora em Informação e Comunicação, Nutricionista, Idealizadora da Verakis.

Fonte: Trechos da introdução à minha tese de doutorado: “A ciência da nutrição difundida para o público em geral na França e no Brasil – O caso da alimentação materno-infantil. Tese orientada por Baudouin JURDANT

Imagem: matkub2499