Na continuação do meu raciocínio, eu evoluia o pensamento sobre a comunicação das ciências.
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Uma informação ou comunicação mal elaborada pode levar à instalação de maus hábitos entre as populações que, uma vez estabelecidos, demoram muito para desaparecer. É o caso, por exemplo, do consumo de produtos emagrecedores. Poucas pessoas se sentem prontas para enfrentar uma dieta de emagrecimento sem ao mesmo tempo buscar a ajuda de seus “produtos para emagrecer.»
Segundo Butriss (1999), o grande público é “bombardeado” diariamente com uma quantidade crescente de informações sobre diferentes aspectos da dieta e nutrição por meio da mídia, por meio de artigos ou reportagens, muitas vezes confusos e contraditórios. Muitos deles não são baseados na ciência ou são o resultado de uma interpretação errônea da ciência da nutrição. Exemplos: “ketchup ajuda a prevenir o câncer de mama”, “sardinha e atum agem como um prozac”, “mesmo o café consumido ocasionalmente pode ser fatal, enquanto o chocolate é benéfico”. [1]
Consequentemente, é de se admirar que o público não dê mais muito crédito ao que dizem os especialistas e sinta que estão constantemente mudando de ideia? Como se pudéssemos, cientificamente falando, simplesmente “mudar de ideia”!
Tudo isso decorre da desordem em que se dá a transmissão das mensagens, da confusão mantida, intencionalmente ou não, que pode levar à persistência de maus hábitos alimentares.
Para Goldberg (1992 : 71) : « Se o consumidor de hoje tem mais conhecimento, também fica muito mais confuso ”. O pesquisador justifica essa confusão pelo fato de que as informações sobre alimentação e nutrição tornaram-se mais complexas do que quando havia apenas algumas orientações muito simples a seguir. As informações de hoje são mais complexas e, além disso, passam por diferentes tipos de mídia e vêm de diferentes fontes: governo, indústria, profissionais de saúde, etc. Essa diversidade pode explicar a existência de diferentes opiniões ou diferentes formas de interpretar um assunto. No entanto, a confusão permanece.
Para ilustrar a confusão imposta à população, podemos tomar como exemplo as campanhas publicitárias francesas realizadas para incentivar a população a consumir frutas e verduras. Uma série de anúncios foi feita. De repente a população francesa vê que deve comer 10 frutas e vegetais diferentes por dia. Em paralelo os anúncios continuam nos oferecendo produtos “à base” de frutas. Surge então uma nova campanha, agora governamental, que incentiva o consumo de 5 frutas e verduras e não 10. Além disso os ambientalistas dizem que essas frutas devem ser “orgânicas”, caso contrário corremos o risco de ingerir produtos químicos. Frutas e vegetais, principalmente os da agricultura orgânica, são consideravelmente mais caros quando comparados com outros alimentos que saciam a fome e dão prazer. Uma família com renda moderada não poderia arcar com o aumento das despesas associadas a essa mudança de hábitos. Também há quem propague a ideia de que as compotas industrialisadas são mais seguras do que as frutas comprados no mercado. Como encontrar? Como posso comer de forma mais intuitiva? Em quem acreditar? O público em geral faz todas essas perguntas?
Esta confusão é ainda mais acentuada pelo fato da transmissão de informações sobre dietas ser assegurada por numerosos grupos de especialistas, que nem sempre concordam quanto aos meios, às técnicas a implementar, e mesmo ao conteúdo dos seus relatórios. mensagens, sem expor e discutir abertamente suas diferenças.
Isso evidencia o fato de que, em todos os setores, é tanto mais difícil tomar posição porque você não tem os conhecimentos necessários para refletir e raciocinar; por exemplo, quando não se conhece os princípios básicos da ciência da nutrição, se estes são os mecanismos de digestão dos nutrientes bem como sua transformação durante o preparo dos alimentos; ou ainda, quando se prova incapaz de reinserir nutrição e alimentação em seu contexto social, econômico, cultural, político, climático, cognitivo ou emocional.
Devemos, portanto, tomar cuidado com a popularização apressada e peremptória de uma noção que a própria ciência da nutrição não pode demonstrar.
A ciência da nutrição está no domínio da medicina, que por sua vez pertence às ciências biológicas, que têm certas características específicas. O domínio dessas especificidades não parece estar ao alcance de todos os públicos. Além disso, a verdade rigorosa que pode existir nas ciências exatas é impossível nas ciências biológicas.
A variabilidade biológica é regra, trabalhamos em biologia com valores que mudam constantemente sem que isso seja anormal.
Isso não é necessariamente um erro experimental ou uma anomalia quando resultados diferentes são obtidos de experimentos idênticos em assuntos semelhantes. Da diferença de resultados em biologia, que é constante, surge, matematicamente, a noção de “individualidade biológica”. A individualidade biológica caracteriza o fato fundamental e constante de que indivíduos de um mesmo grupo, submetidos às mesmas intervenções, ao mesmo tempo, são diferentes e apresentam resultados diferentes. Está ligado à própria natureza do ser biológico, único e diverso. Biologicamente, não podemos ser idênticos, os diferentes elementos dos processos que sustentam nosso organismo sendo infinitamente variáveis dependendo do indivíduo e de seu ambiente.(Schwartz, D., 1986).
Na pesquisa biológica a avaliação dos resultados envolve o recurso às interpretações que apenas os cálculos matemáticos permitem. Esses cálculos são chamados de bioestatística e são adaptados à “natureza” biológica. Eles permitem avaliar a significância dos resultados obtidos e corrigir as variações características da biologia. (Schwartz, D., 1986)
A bioestatística permite, por exemplo, definir parâmetros de “normalidade”, ou estimar se os resultados podem ser levados em consideração, em relação à natureza do objeto estudado ou características qualitativas e quantitativas de uma amostra. É assim que uma pequena diferença pode ser significativa se envolver números grandes; embora uma grande diferença, avaliada em pequenos números, possa não ser.
Os parâmetros de normalidade, em biologia, servem sobretudo para balizar os limites do que é aceitável (normal) e do que deve ser considerado como fator de risco para anormalidade. Mais precisamente, se ao estudarmos o nível de ferro de uma população encontramos diversos valores, os classificaremos de forma a podermos estimar, por meio de cálculos matemáticos, quais deles devem ser considerados preocupantes ou anormal. Depende também da população do estudo e do tamanho da amostra. É somente com resultados “significativos”, passados pelos devidos cálculos, que as conclusões podem ser consideradas.
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Juliana T. Grazini dos Santos – Doutora em Informação e Comunicação, Nutricionista, Idealizadora da Verakis.
Este é o oitavo capítulo da “saga” que narra os alicerces da criação da Verakis.
Leia os capítulos anteriores:
DA SEMENTE AO BROTO VERAKIS – PARTE 7
DA SEMENTE AO BROTO VERAKIS – PARTE 6
Fonte: Trechos da introdução à minha tese de doutorado: “A ciência da nutrição difundida para o público em geral na França e no Brasil – O caso da alimentação materno-infantil. Tese orientada por Baudouin JURDANT
[1] Essas “revelações” às vezes vêm de uma interpretação excessivamente simplista da pesquisa. O tomate é uma fruta na qual foram encontradas substâncias da família do “licopeno”. Esses licopenos parecem ter um papel a desempenhar na prevenção da multiplicação das células cancerosas. Mas o tomate faz parte da composição do ketchup. Da mesma forma, parece que os organismos vivos nos alimentos (alimentos prebióticos) desempenham um papel na prevenção de certas doenças.
Image: Mammiya