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2022

Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel

Brilho do Natal definido por memórias e tradições familiares, enfatizando a importância do amor e da união, independentemente das circunstâncias.

Brilhante! Essa é a palavra que define o Natal pra mim.

Eu vejo brilho por tudo! Vejo o brilho no olhar das pessoas. Vejo brilho nos abraços que se distribuem nas festas de confraternização. Vejo brilho naquela visita à Tia distante para oferecer-lhe algo e marcar presença (mesmo que uma vez por ano). Vejo brilho no presente daquele amigo menos abastado, que os outros ajudam, e que nessa época retribui e agradece o companheirismo. Vejo brilho nos olhos das crianças esperando o Papai Noel. Vejo brilho no preparo das refeições.

Essa época me fascina!

Dependendo do ponto de vista eu aprendi a festejar o Natal, mas eu prefiro acreditar na magia dessa época do ano.

Passei minha infância no meio de uma família numerosa: 14 tios, 5 avós (os dos primos também contavam), 2 irmãos e 19 primos. Em média passávamos o Natal com umas 30 pessoas dessa “turminha toda”. E era uma alegria só!

Primos pequenos correndo, os pré-adolescentes brincando, os adolescentes tocando violão e tendo a “indulgência” de jogar ping pong com os menores, os jovens adultos se preparando para almoçar e depois encontrar os namorados, e os adultos preparando o almoço .

Almoçávamos no dia 25 de dezembro, pois dia 24/12 era o dia dos religiosos irem à Missa do Galo nos seus bairros e igrejas. E nós, minha família nuclear, não íamos a Igreja. Meu pai era ateu. E cá entre nós, um ateu muito mais Cristão que os que precisavam frequentar a Igreja aos domingos e festas religiosas para se acreditarem bons de coração.

No dia 25 de dezembro então, depois de muitos telefonemas entre os irmãos e cunhados para decidir o que comeríamos, quem levaria o que, quem compraria o que, almoçávamos numa mesa alegre, com cantos de Natal entoada pelas vozes dos adultos.

Apreciávamos o “macarrão da vovó Carmem”, que, sejamos francos, só fazia comida para essa gente toda e nesse quantidade, uma vez por ano. Pasta feita à mão, como uma filha de calabrez que se preze fazia. O molho com “bracciola” que tinha que apurar no fogo do dono da casa que nos recebia.

O que mais comíamos ? Não me lembro! O macarrão da “vovó Carmem” me bastava. E até hoje me basta como lembrança. E quando faço o meu vou lembrando das mãos da minha avó, até chegar ao ponto da massa.

O que bebíamos? Não me lembro ?

Sobremesa? Idem! Mas acho que se não era ambrosia da “vovó Carmem”, eu não deveria gostar. Que me desculpem os apreciadores dos doces italianos, mas eu nunca gostei de nenhum. E no meio daquela italianada toda, nascida e crescida nos bairros italianos paulistanos, eu tinha que rezar para ter outra coisa que “struffoli”, cassata italiana, aquele outro doce de ricota que eu não lembro o nome, “sfogliatella”, e não me lembro mais.

A torta da Dona Dora, que hoje eu entendo que era uma “crostata” abrasileirada; com massa mais doce e recheio de goiabada, também salvava no quesito doces.

De tarde eram os 3 momentos fortes do Natal:

  • O “amigo secreto”, cheio de “mis en scènes”, cantorias, suspense, abraços, e por vezes sinceridade demasiada. Não esqueço também do dia em perguntaram para meu primo, hoje na casa dos 40, na época com uns ⅚ anos, se a amiga secreta dele era bonita. Ele respondendo não, e eu do alto da minha pré adolescência, olho para as primas e tias (quase todas matronas à italianada antiga, matronas como Elena Ferrante descreve na sua saga “ A amiga genial”) que eu classificava como feias e me digo “não sou eu”. Perguntas vão e vêm, até que o amigo secreto é revelado, e não é que era eu???? Piada para a vida toda!

Faziamos “amigo secreto” para brincar, para compartilhar, e todos os presentes eram muito bem vindos. Eu sabia que o amigo secreto era para igualar a todos, não humilhar os que passavam por momentos financeiros difíceis, e para não incentivar a soberba dos que que gostavam de esbanjar, por vezes o que nem tinham. Esse recado era dado pelos nossos pais todos os anos.

Essa brincadeira sempre foi, para mim, um momento de comunhão com as pessoas. E até hoje não entendo quem fica frustrado com presente, se zanga, faz cara feia, ou quer esbanjar.

  • Momento das fotos! Acho que era quando os adultos se reuniam na cozinha para lavar a louça e fazer as contas (tudo muito discreto e escondido. A época ou a família dos segredos! Descobri com, quase 50 anos, por meio de uma tese de mestrado defendida na Argentina, que meu avô paterno era do Partido Comunista do Brasil, e foi representá-la numa conferência na antiga URSS, e guardavas boas relações com Lênin) que a primaiada ficava com as avós na sala vendo álbuns de fotografia. Sim, avós! Os avôs todos tinham já partido. Não tive avô por perto.

Era uma delícia ver as pessoas do passado, ver as pessoas do presente no passado, ouvir histórias, piadas, lembranças e viver a nostalgia familiar. Foi com esses álbuns que descobri outro segredo de família: primos adotados. Todas as mulheres paridas tinham foto na maternidade com os recém nascidos e essa Tia não. Uai! E não é que meus primos não tinham nada, fisicamente falando, dos seus pais, nem dos avós… Uai! Insistentemente perguntava aos meus pais se eles não achavam estranho também. Mas só me foi revelado o segredo quando eu tinha 23 anos, num almoço solene com “mamis” e “papis” para me revelarem a verdade e pedirem minha discrição.

Nesses momentos sempre tinha a bala soft que acompanhava. Eu me esbaldava com as balas. Minha mãe era muito rígida com nossa alimentação e não tínhamos bala em casa. Nem sequer uma bombonière! E eu então aproveitava a casa das tias com bomonière na sala, bem às vistas e liberada! E é claro, fui eu a prima que quase morreu sufocada com a bala soft. O clássico da época!

Fui eu também que contei para a prima mais nova, da leva dos mais velhos, que o Papai Noel era o Tio Y. Juro que com boa intenção, ela não podia continuara ser enganada como eu tinha sido!

  • Momento cinema. Depois disso tudo, os adultos ficavam fofocando entre eles, e as crianças iam ao cinema, acompanhadas pelos mais velhos. Que delícia sair sem pais e mães!

Mas, (sempre tem o mas, sim!) a ascensão de uns, a frustração de outros, a inocência de uns, a maldade de outros, foi tornando aquela família deliciosa em família tóxica. Maldades, conchavos, fofocas, mentiras passaram a determinar o climão de Natal. Climão de Natal! Sobretudo quando meu pai parou de ir aos almoços com a gente pois o bastidor estava muito pesado para ele, mas ele não queria que perdêssemos os vínculos familiares. Digno da sua parte, mas mal imaginava ele o quanto éramos ostracizados por sermos os filhos do cara que não ia à missa e não participava do Natal em família.

Até o dia em que a bomba relógio dos bastidores explodiu e não fazíamos mais parte desse Natal. Nem da família! Com cartinha manuscrita e tudo, fomos expulsos da família!

Ufa! Não tinha mais ostracismo nem fofoca sobre meu pai e sobre a gente. Mas, e o Natal?

O Natal continuou mágico!

Nossas novas famílias: amigos queridos nos recebiam sempre com muito amor e alegria. Nos abastados ou simples apartamentos do Jardim Europa, o amor e alegria permaneceram com aqueles que tinham amor e alegria para compartilhar.

Mais tarde vim morar na França e aprendi a passar essa alegria e amor aos meus filhos.

Conheci o calendário de chocolates do advento. As velas dos 4 domingos do advento. As refeições mais requintadas “à française”.

Ensinei filhos e amigos a brincar “ de amigo secreto”.

Acolhi os “sem família por perto” para festejar o Natal.

Fui acolhida pela turma dos “sem família por perto” e por famílias maravilhosas.

Meu Natal deixou de ser dia 24 e 25 de dezembro e passou a ser dezembro inteiro, com leitura de contos em família nos jantares de dezembro, reflexão sobre a Bíblia, sobre a história humana e a humanidade com meus filhos agora mais velhos. O prazer de ainda escrever cartões físicos de Natal. As festas virtuais com os amigos de longe. A composição do jantar com os filhos (cada um faz um prato).

E da mesma maneira que passava um tempo na janela do nosso apartamento imaginando quem seria o Papai Noel, olhando aquelas estrelas lindas no céu, e me dizendo que algo maior estava por trás disso tudo, ainda olho na janela e sinto essa magia.

Aprendi a gostar do Natal, ou gosto porque sinto essa magia?

Prefiro ficar com a segunda resposta!

Natal é o que a gente carrega com a gente. Aquilo tudo de bom que a gente tem dentro da gente.

Eu vejo esse brilho por tudo!

Juliana T. Grazini dos santos (Diretora Verakis)