No maravilhoso mundo da alimentação há um vasto campo de polaridade e contradição, onde habitam natureza e cultura, ciências “moles” e “duras”, linguagem científica e literatura, progresso e tradição.
A insanidade diria que
Pensar é preciso,
Comer não é preciso…
Mas a fome é grande e o tempo urge!
Então mãos à Obra e massa na mão:
Claude Fishler vai chamar de cacofonia alimentar e dietética
Dissecando no Onívoro um paradoxo secular;
Comer é preciso,
Inovar não é preciso?
Ledo engano, criatura dividida entre ir e ficar,
O onívoro, conserva, explora, aprende, partilha e avança
Como uma criança que recua diante do novo
ao mesmo tempo que se lança curiosa, com fome no olhar.
Cultura e Natureza sempre foram os dois lados da mesma moeda
Não é preciso polarizar.
A ciência é atividade humana,
sujeita às dores e delícias dessa condição.
E no mundo moderno em que os fatos aparecem prontos e
as verdades são absolutas,
a mediação dos cientistas é velada, oculta.
Mas, se jamais fomos modernos,
Se natural e cultural são siméticos,
De onde vem a contradição?
Snow diria que as duas culturas não se conversam
Que cientistas e literatos não falam a mesma língua
Que a distância entre o progresso e a tradição é abissal.
Mas logo faz uma segunda leitura,
reconhece a existência de uma intermediária criatura,
Como uma terceira cultura,
Um campo fluido onde é possível conversar.
Edgar Morin evocará então o pensamento complexo
Nos lembrará que o todo é maior que a soma das partes
Que ciência sem consciência é a mãe de grandes desastres,
Que consciência sem ciência é vidente sem pernas e braços,
Que complexidade não é complicação.
Basarab Nicolescu vem lhe fazer par,
Tecendo as bases da metodologia transdisciplinar
Nos propondo transitar, entre, através e para além
Das disciplinas e da forma cartesiana de pensar.
Com seu terceiro termo incluído,
Transita entre diferentes níveis de realidade,
Considerando sempre e a cada passo
O rigor da complexidade.
Mas, e daí,
De que serve tudo isso
Se a fome é grande e o tempo urge?
E daí que as soluções se constroem na mudança de olhar
E, na prática, desde a horta até passar por cada porta,
a comida vai viajar.
Longas ou curtas distâncias,
Virgem e imaculada ou extremamente processada,
ela vai chegar.
Ela vai chegar
Ou não vai chegar.
Porque a fome é grande e o tempo urge…
Garçom, desce mais uma salada epistemológica, por favor.
Carolina Netto Rangel – França, 17 de fevereiro de 2022.
A Profa. Dra. Carolina Netto Rangel, criadora do projeto “Alimentação e Saúde 360 graus” e colunista do blog da Verakis. Ela se aventura nas artes sob o pseudônimo de Nina Netto.
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