Associando medos induzidos, informações descontentualizadas, debates infundados, postura antisistêmica, ideologia alimentar, Stéphane Brunerie, idealizador do blog francês “Stripfood” traça um paralelo entre o populismo político e o contexto atual da alimentação nas camadas mais favorecidas das populaçéoes ocidentais.
A Verakis traduziu o texto na íntregra para que os leitores lusófosonos possam refletir sobre esse fenômeno.
“O populismo é tradicionalmente associado à política. Encontrando terreno fértil em um contexto de tensões econômicas e sociais muito reais (crise econômica e tensões no poder de compra, sentimento de rebaixamento social, ansiedades identitárias, perda de sentido, segurança etc.), o populismo é uma abordagem oportunista de múltiplas molas:
- Simplificação excessiva de elementos complexos destinados a promover a compreensão e o compromisso,
- Encenação de divisões que opõem sistematicamente o bem contra o mal ou mesmo a maioria silenciosa (o povo) contra o sistema (composto por elites, organizações, mídia ou políticos),
- Surgimento de um líder carismático.
Em uma inspeção mais próxima, a comida não é exceção.
Mas cuidado, porque do popular ao populista há apenas um passo. Radioscopia do fenômeno em 8 casos sintomáticos.
Caso N°1: surfando em medos e alimentando-os
A consciência dos medos alimentares é tão antiga quanto o mundo e às vezes é muito legítima. Dito isto, nosso tempo muitas vezes confunde riscos e perigos e explora nossa ultra-sensibilidade para torná-la uma alavanca de mobilização.
O risco ?
Ao misturar riscos reais e medos falsos, o risco é que consumidores e cidadãos se acostumem e não prestem mais atenção.
Cas N°2 : criar atalhos e simplificar
Para atender a uma necessidade muito legítima de transparência, uma massa de informações é assim despejada para consumidores, cuja carga mental está no auge. Portanto, não hesitamos em usar atalhos simplificadores. Este é o advento das alegações ou provas de “tela”.
O risco?
Usar uma declaração, um rótulo ou mesmo uma classificação favorável para indicar uma avaliação mais geral positiva do produto pode ser claramente enganoso.
Caso N°3: polarizar o debate opondo o bem ao mal
Agricultores poluidores, industriais envenenadores, chagas idealistas, jornalistas vendidos, políticos corruptos, blogueiros de comida venal e vendidos ou até veganos terroristas…
Na origem disso, uma tendência a se opor aos modelos de forma caricatural. Os pequenos contra os grandes, os artesãos contra os industriais, o orgânico contra o convencional… É bastante prático, muito vendido, e gera uma adesão quase imediata surfando numa poderosa alavanca, a emoção.
O risco ?
Obrigar cidadãos e consumidores a escolher entre opções muito radicais, deslocando os sujeitos para o terreno da moralidade com julgamento precipitado como único juiz de paz.
E, em última análise, alimentando o baque ambiental e o “todo podre”. O fato de encenar seu adversário e suas falhas também questiona o nível de exemplaridade do acusador.
Caso N°4 : colocar-se em uma postura anti-sistema
Mais do que nunca, nosso mundo oscila entre a consciência ecológica e a sobrevivência econômica.Alguns entenderam que pode haver cordas que são um pouco fáceis de puxar orquestrando um discurso anti-sistema.
O risco ?
Se a observação se baseia em elementos muito reais, esta postura eleva a fasquia para quem a utiliza e parece pouco credível, ao mesmo tempo que contribui para nutrir um pouco mais o sentimento de decadência geral das nossas sociedades.
Caso N°5: usando a voz do consumidor de forma demagógica
Trata-se claramente de bajular as pessoas em situação de compra, ou seja, os consumidores. Nisso, a referência às pesquisas é uma boa alavanca. Se essa postura começa a partir de um sentimento bom, exagerar levanta questões.
O risco ?
Se essa postura inicialmente parece perfeitamente legítima, às vezes também pode não ter credibilidade. Em assuntos complexos, o uso da vingança popular para governar também pode levantar questões.
Caso N°6: jogue a carta símbolo
Existem alimentos que têm um poder incrível. Eles simbolizam a comida francesa por si só.
Citando Bruno Parmentier: “O preço da baguete é um símbolo. A noção de preço percebido é muito importante em comparação com a de preço real. Estamos todos convencidos de que o preço do pão aumentou muito, muito mais do que a inflação, o que absolutamente não se vê nos números.
É, portanto, este alimento que está no centro de um confronto comunicacional em torno da defesa do poder de compra.
O risco ?
Jogue mais com emoções e percepções do que com a realidade das coisas e divida o público para melhor emergir.
Caso N°7 : refugiar-se na ideologia alimentar
A crise de sentido que vivemos em nossas sociedades deixa caminhos para movimentos “prontos para pensar”, cujo corpus deveria ser imposto a todos nós.
Em termos de consumo, é justamente isso que a marca de orgânicos Naturalia critica em uma campanha recente em defesa de orgânicos não totalitários.
O risco ?
Desviar o consumidor e o cidadão que suportam cada vez menos as lições de moral.
Caso N°8 : Posicione-se no mito do salvador
No final há sempre aquele que se apresenta como o salvador. Surfando em um contexto favorável, o salvador invoca o povo.
O risco ?
Confundir e criar confusão entre popular e populista, fazendo as pessoas acreditarem que problemas complexos têm soluções fáceis.”
Tradução – Juliana Grazini dos Santos
Artigo original :https://www.stripfood.fr/le-populisme-alimentaire-une-arme-de-mobilisation-massive-a-double-tranchant/
Imagem: Lightspring