As relações de poder entre a comunidade científica e as pessoas sem o saber científico foram discutidas no último papo à mesa através do “Estudo observacional das relações de poder no filme O óleo de Lorenzo”, apresentado pela nutricionista Maristela Medeiros.
No filme de 1992, Lorenzo, o filho mais novo da família Odone, foi diagnosticado com AdrenoLeucoDistrofia (ALD), doença atrelada ao cromossomo X, que provoca o desgaste da bainha de mielina (tecido adiposo que protege os axônios). Por conta de não haver pesquisa sobre a doença na época, os médicos tinham certeza de que o menino iria morrer por conta da ausência de remédios e tratamentos alternativos, mesmo assim os pais do menino não desistiram de ajudá-lo.
No estudo apresentando e discutido no “Papo à Mesa”, realizou-se um estudo observacional com o recorte da família Odone, entre 1984 e 1995, do filme o Óleo de Lorenzo.
Cenas do filme foram analisadas: como a do diagnóstico do menino em que o médico está na posição de poder e determinação de que não haveria cura para a doença.
Segundo Bourdieu, o médico é o guardião do conhecimento científico em seu campo de saber. Dessa forma observa-se a assimetria nas relações de poder entre a corrida dos pais pela cura do filho e o monopólio da comunidade científica pelos profissionais da área.
“O monopólio da autoridade científica é definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social” (Bourdieu,1938)
Após o médico estabelecer um programa nutricional invasivo e o estado de saúde do menino piorar, os pais de Lorenzo decidem retirá-lo desse tratamento e estudar sobre o assunto. Sendo assim, eles descobrem um óleo puríssimo que estabiliza os níveis séricos dos ácidos graxos e tem resultados favoráveis ao incluírem na dieta do menino.
À vista disso, os pais de Lorenzo decidem levar a descoberta à fundação de pais família ALD, que pagava pelo estudo sobre a doença. Entretanto, a pesquisa “caseira” dos Odone constituiu uma afronta à ciência, e assim percebe-se uma relação de poder e dominação entre pessoas com alta condição social e as sem esse poder aquisitivo e o saber científico também.
Depois de muitos anos a comunidade científica reconheceu a eficácia do “óleo de Lorenzo” juntamente com uma pesquisa longitudinal feita pelo neurologista Hugo Mozer, provando que o óleo prolonga e melhora a condição de vida do paciente. Ou seja, foi necessário que houvesse um rompimento com a ciência e as determinações médicas para que se pudesse achar uma possível cura para a doença e assim, percebe-se claramente como a instituição de poder dominante pelo saber inteiramente científico pode ser prejudicial a novas descobertas.
Logo é possível promover uma ruptura no equilíbrio das relações entre ciência e o senso comum, desobedecendo as regras existentes e não aceitando como uma verdade absoluta um diagnóstico médico a partir de uma visão crítica. Sendo assim, a ruptura do monopólio científico pode contribuir para aumentar o acervo do conhecimento, sem necessariamente alterar as relações de poder.
“No campo das ciências, a intuição do diletante pode ter um significado tão grande quanto a do especialista e, por vezes, maior” (Weber,1993)
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Texto: Ana Clara Lemos de Paula
Curadoria e edição de texto: Juliana T. Grazini dos Santos
Ana Clara Lemos de Paula é graduanda em Gastronomia no Centro Universitário Senac Campos do Jordão e estagiária da Verakis.
Juliana T. Grazini dos Santos – Doutora em Informação e Comunicação/Jornalismo Científico/Popularização Científica pela Universidade de Paris 7(Denis -Diderot), vive há mais de 20 anos na França, onde pesquisa e desenvolve trabalhos de jornalismo científico, popularização da ciência e comunicação nas áreas de alimentos, alimentação e nutrição; presidente da Verakis (França), conceptora e diretora do curso de Especialização em Marketing de Alimentos Verakis (Europa); membro do grupo de estudos de informação ao consumidor do Fundo Francês para Alimentação e Saúde (FFAS) e curadora de cursos na área de alimentos e alimentação na Europa, América Latina e Brasil.
Imagem: Lunatictm