Existe um livro a contar a história dos primórdios do pão. Reza essa história que começou há 6000 anos! Longe da era industrial, a fermentação só podia ser natural e selvagem, não havia outra forma.
Aliás, era apenas um fenómeno que gerava um alimento, sem nome. Algo
“espontâneo”, sem explicação. Por isso, sem dúvida, Fermentação é algo ancestral! Seja farinha, legumes, leite…; é uma técnica de conservação e de conversão.
Ou seja, no caso da farinha, converter um pó que de nada nos serve, em algo que nos alimenta ao ser misturado com água, onde se desenvolvem propriedades nutritivas.
O próprio (temido e terrível) glúten, só existe numa massa; a farinha só por si, contém apenas as “peças” que o constituem. Imaginem se comêssemos a farinha seca… o glúten ia começar a formar-se assim que encontrasse água… como seria complicado para o nosso organismo lidar com essa “cola” (“glue”) recém formada e tão elástica, provavelmente seria muito difícil digerir…
Felizmente, alguém, por mero acaso, descobriu a fermentação!
Um processo que torna mais fácil digerir alguns alimentos e no caso do pão, ainda “desbloqueia” nutrientes que de outra forma não teríamos acesso.
Podíamos simplesmente cozer o cereal e consumir só assim, como fazemos com o arroz. Mas alguém também descobriu a moagem…
Atualmente, conhecem-se cada vez mais “peças” da farinha e dos efeitos da fermentação sobre elas. Talvez uma das mais interessantes seja o ácido fítico que se liga quimicamente aos minerais e o facto da fermentação os libertar para serem absorvidos pelo nosso organismo. A fermentação permite a quebra dessas ligações (através da ativação de enzimas), tornando os minerais biodisponíveis.
Há medida que se foi notando o aparecimento de algumas doenças e associando ao consumo de cereais refinados, foi-se investigando para se perceber a relação entre problemas de saúde e alimentação (e quais alimentos ou “anti nutrientes”).
Nos anos 90 um engenheiro químico francês da área alimentar (Raymond Calvel), escreveu um livro que inclui todas as fases do processo do fabrico de pão (e muitos anos anteriores de estudos sobre), incluindo a moagem!
Ele descreve o fabrico ainda com alguns melhorantes e conservantes e muitos com levedura, em vez do processo natural. Mas, também o inclui. E mostra comparações dos resultados de ambos os métodos. E dos efeitos das várias etapas, desde o amassar, levedar até à cozedura.
Antes dele já outros tinham notado que era diferente consumir pão “industrial”, branco ou pão “artesanal”, por norma, menos refinado (nem que fosse por uma questão de conseguir um pão com mais sabor). Ou simplesmente preferiam fazer pão usando esse método ancestral, nem que fosse por instinto, que seria “mais correto”.
O jovem responsável pelo “fenómeno Tartine”, aprendeu com algumas dessas pessoas.
Tanto na América como em França. Aquele pão foisendo um sucesso na rua, e foi-se espalhando… Nasceu o livro e o blog “Tartine” que ajudaram a aumentar o sucesso e a procura e a produção daquele tipo de pão, a nível global.
Cada vez mais pessoas se foram identificando com este método de fazer pão. Provando e querendo aprender, e aqui estamos. Num cenário com cada vez mais Padeiros artesanais, que usam (preferem) Fermentação Natural. Porque preferem este processo e este resultado final.
“Nova tendência ou resgaste de uma técnica?”, a resposta é: “atualmente, muitos preferem pão feito à moda antiga”. Pão feito com tempo. Esse é o segredo deste tipo de pão.
Ana Rocha – Diretora da Pão da Mo, Licenciada em Química pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.