Em 1939, no modelo da escola argentina, a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo criou o primeiro curso universitário de nutrição do Brasil. O objetivo deste curso era preparar profissionais capazes de aplicar os fundamentos da ciência da nutrição. Isso foi feito com o objetivo de administrar a alimentação de indivíduos e comunidades, de forma a promover a nutrição, a partir dos conhecimentos adquiridos em pesquisas científicas.
Cinquenta anos depois, tendo adquirido alguns conhecimentos em biologia, fui rapidamente seduzida pelo objeto desta ciência, que descreve os seres vivos e estuda os fenômenos que os caracterizam.
A leitura de uma série de artigos de jornal que tratam da relação entre dieta, de um lado, e beleza física, desempenho humano e saúde, de outro, motivou minha orientação. (Sim, foi isso que me motivou!)
Decidi então fazer prestar vestibular para ingressar no curso de nutrição, a fim de aprender como os alimentos podem embelezar, preservar e fortalecer o ser humano, e aplicar esse conhecimento, em benefício dos meus futuros “pacientes”.
No primeiro dia cada novo inscrito foi recebido pelo corpo docente. Para a ocasião, alguns alunos mais avançados foram convidados a testemunhar a riqueza e o interesse das aulas sobre nutrição de que se beneficiaram.
Ao final deste primeiro dia, todos sentiram a alegria de poderem esperar obter, em quatro anos de estudos, o domínio da arte de fazer o ser humano comer bem e de ensiná-lo a comer bem! Íamos descobrir a “ciência da nutrição” e o domínio dos meios necessários à sua implementação ao serviço da saúde dos humanos considerados indivíduos, bem como grupos sociais.
Durante o nosso primeiro ano de estudos, conhecemos o Homem e os fenômenos que o caracterizam nas seguintes áreas: anatomia humana, biologia, histologia, fisiologia, bioquímica, microbiologia, parasitologia e. imunologia, entre outros. Começamos a perceber a verdadeira natureza e extensão da ciência da nutrição. Na verdade, essa ciência vai muito além da simples preocupação de se alimentar bem para ficar mais bonita ou para emagrecer, como costuma acreditar a imprensa brasileira.
Esta ciência, recente, dinâmica e vasta, assenta nos princípios fundamentais da biologia, no cruzamento de várias disciplinas como psicologia, sociologia, filosofia, antropologia, educação, comunicação, religião, pedagogia, didática, saúde pública, política, economia, contabilidade, engenharia e tecnologia de alimentos, estatística, epidemiologia ou farmacologia, entre outros. Está em estreita relação com o ser humano no sentido estrito de sua qualidade de vida e sua sobrevivência.[1]
Do ponto de vista biológico, a alimentação e a nutrição são temas de extrema importância, que acompanham o Homem ao longo de sua vida. Dos primeiros anos e até a adolescência, a alimentação e, portanto, a nutrição de crianças e adolescentes são fatores vitais que permitem o uso ideal dos potenciais genéticos de crescimento e o desenvolvimento intelectual de pessoas. Eles podem determinar a qualidade de vida futura e até mesmo o lugar na sociedade que pode ser oferecido a eles. Desde a infância a alimentação e a nutrição desempenham um papel importante na manutenção da saúde, prevenindo e curando doenças e a qualidade de vida que delas podem resultar. A ciência da nutrição tenta descobrir todos os fatores que determinam a nutrição dos organismos vivos, sejam eles exógenos ou endógenos. (Krause & Mahan, 1987: 3)
A nutrição celular, ou a própria nutrição, que consiste em fornecer às células água, minerais, vitaminas, glicose, ácidos graxos e proteínas, entre outros, para permitir a sua atividade, depende da estado de saúde dos indivíduos, que por sua vez depende, entre outras coisas e sobretudo, do tipo e quantidade de substâncias proporcionadas pelo tipo e quantidade de alimentos consumidos, a forma como são consumidos e a relação entre os diferentes alimentos consumidos.
Naquela época eu começava a notar, com preocupação, a ignorância do grande público em todos os assuntos de alimentação e nutrição, quando estes desempenham um papel tão vital na vida de cada indivíduo. Por que apenas alguns poucos privilegiados podem acessar esse conhecimento? Em seguida, me referi com pesar às palavras de Gustave Flaubert em seu livro Bouvard et Pécuchet (1881): “A ciência é um monopólio nas mãos dos ricos” (Le livre de poche, Librairie Générale Française, 1999: 289). Isso é particularmente lamentável no que diz respeito ao nosso assunto, uma vez que todos deveriam ser capazes de organizar suas práticas alimentares, com pleno conhecimento dos fatos.
Infelizmente, a alimentação e nutrição de humanos é atualmente “dirigida” pelos detentores do conhecimento. Por outro lado, são condicionados por fatores completamente alheios ao bem-estar dos consumidores: questões políticas, estratégias de vendas da marca, etc. As informações, mesmo quando fornecidas por especialistas, são veiculadas mais ou menos grosso modo pela mídia ou por leigos.
Hoje, podemos dizer que a “arte de comer bem” continua a ser privilégio de uma elite com meios para adquirir os conhecimentos científicos necessários à prática desta arte. O conhecimento sobre a alimentação mais adequada para todos não é acessível à maioria das pessoas, até porque a informação sobre o assunto, divulgada ao grande público, é divulgada em canais pertencentes a entidades que O interesse principal não é necessariamente o interesse geral. Isso faz com que grande parte dos atores dessa distribuição transmita informações, seja que auxiliem uma determinada indústria alimentícia, seja que permitam uma maior circulação da imprensa, por atender às expectativas dos leitores, ou mesmo de ambos, ou que sejam orientados por questões políticas. Essa tendência costuma ignorar a maneira natural e instintiva de comer, que deve ser a base de qualquer recomendação geral de dieta.
[1] O que distingue a nutrição das disciplinas afins é que ela lida com a relação dos seres vivos com os alimentos, seja qual for o aspecto estudado.
Juliana T. Grazini dos Santos – Doutora em Informação e Comunicação, Nutricionista, Idealizadora da Verakis.
Fonte: Trechos da introdução à minha tese de doutorado: “A ciência da nutrição difundida para o público em geral na França e no Brasil – O caso da alimentação materno-infantil. Tese orientada por Baudouin JURDANT