O Natal na Irlanda é coisa séria, da decoração ao “espírito natalino”: ruas e casas decoradas, luzes por tudo, todo mundo usando seu sweater temático, tem uns (como o meu) que até acendem a luz.
Primeiro, gostaria de expressar que a perspectiva desse Natal é pelas lentes de uma pessoa brasileira, nascida e criada em São Paulo. Digo isso, pois o Brasil, de tamanho continental, abriga muitas formas diferentes de se fazer e de se viver o período do Natal. Assim como na Irlanda, o país é pequeno, mas a minha experiência habita principalmente a cidade de Dublin.
Ao me mudar pra Irlanda, o primeiro choque em relação a essa época foi quando ouvi um colega de trabalho dizendo: Natal tem cheiro de canela… e os outros colegas ao redor, também irlandeses, concordaram.
Canela? Não! Até então meu Natal tinha cheiro de calor… suor… aquele ar quente… armar a mesa no quintal para ter mais acesso ao ar fresco. Mesa cheia de frutas… cheiro de manga, pêssego, uvas, ameixas…
Eis a constatação, aqui é inverno!
Então as coisas que eu via nos filmes produzidos no Hemisfério Norte sobre essa data comemorativa finalmente fizeram sentido: as roupas de inverno, a decoração do jeito que é, para iluminar as ruas nos dias tão curtos e escuros. E o mulled wine (o que seria nosso vinho quente, da nossa Festa Junina, durante nosso inverno) com cheiro de canela e outras especiarias para esquentar as noites frias.
Importante dizer também que a ceia é feita no dia 25 de dezembro e não no dia 24, como eu fazia Brasil. Porém, a família irlandesa com quem eu passei essa data prepara jantares especiais nos dois dias.
O cooked ham é a estrela da noite do dia 24. O famoso presunto defumado marinado na cidra, assado lentamente, acompanhado de uma taça de vinho, vinho frisante ou champagne.
No dia 25 tem um brunch (breakfast e lunch). Aquela refeição que não é nem café da manhã e nem almoço.Nessa manhã especial fazem o fried up breakfast que para os turistas seria o tão conhecido “café da manhã irlandês”, composto por:
- Pudim branco (white pudding): linguiça de porco com aveia (essa é a diferença entre os cafés-da-manhã “Irish” e “English”, o segundo não tem white pudding);
- Pudim preto (black pudding): linguiça de porco com sangue e aveia;
- Hash brown: um tipo de bolinho triangular de batata;
- Rashers: fatia generosa de bacon, pode ser defumado ou não;
- Ovo frito (geralmente, com a geminha mole, temperado com sal e pimenta do reino depois de pronto);
- Linguiça;
- Tomate grelhado;
- Cogumelos grelhados;
- Pão de forma torrado, branco ou integral;
- Manteiga;
- Geleia (para a combinação torrada+ manteiga + geleia)
Depois de comer esse desjejum substancioso é possível esperar a ceia ser servida por volta das 16:00-18:00.
Para o prato principal, o peru de Natal acompanhado de batatas assadas com a casquinha ao redor caramelizada e crocante, vegetais como cenoura, aspargo e vagem, purê de chirívia, acompanhado de “bubbles”, que nesse dia, por ser especial, é uma garrafa de champagne.
Após o jantar, espera-se um pouco até a sobremesa e há varias opções: chocolates, o Yule/Christmas Log (um rocambole representando uma lenha prestes a ser queimada na fogueira. Pode vir com uma vela em cima. É uma representação das práticas pagãs durante o festival Yule, celebrando o Solstício de Inverno) ou o pudim de Natal.
Quando eu tinha por volta de uns 12 anos, eu ganhei um livro coletânea de receitas da saga Harry Potter. Dentre elas, estava a do pudim de Natal. No modo de preparo dizia algo como: comece o preparo no dia 25 de novembro. Como no Brasil, o pudim com o qual estava acostumada era o de leite ou manjar de coco, achei esquisito demorar um mês para fazer um pudim.
A verdade é que há pudins de Natal que começam a ser feitos desde maio para alcançar os seis meses de maturação até a chegada do Natal. Para servi-lo no dia, é necessário esquentá-lo em banho-maria, micro-ondas ou ateando fogo diretamente (é melhor seguir a instrução da caixa). É muito comum espalhar uma dose de Bailey’s, o licor irlandês, no topo da fatia.
É perceptível que o Natal não é apenas o dia 24 ou 25 de dezembro. É uma celebração que ocupa praticamente o mês todo, se intensifica nas duas últimas semanas do ano e emenda com o dia de Santo Estevão, celebrado dia 26, e com o ano novo.
Nessa época do ano reuniões entre amigos, colegas de trabalho e familiares tornam-se muito frequentes. Com os dois primeiros grupos, antes da pandemia, os encontros se dariam nos pubs e o foco seria nas bebidas. Enquanto nas reuniões familiares, a comida assume um papel principal.
Isis Stelmo – Irlanda, 24 de dezembro de 2020.
Isis Stelmo é nutricionista formada pela UNIFESP, Especialista em Alimentação e Nutrição na Atenção Primária à Saúde, Mestranda em Psicoterapia com Dança e Movimento na Universidade de Roehampton em Londres, é também artista de dança.
Curiosidade
Sobre a carne cordeiro: a República da Irlanda abriga mais ovelhas (aproximadamente 5.2 milhões) do que pessoas (4.8 milhões) e ainda assim não é uma carne muito barata e é consumida em ocasiões especiais.