23 de May de 2023

Geografia da Fome

Lembro-me de, na altura da escola, lestudar mapas de todos os tipos. Mapas hidrográficos, com todos os lagos e rios do Brasil. Mapas de relevo, de clima, de biomas. Até mapas que contavam histórias de grandes acontecimentos.

Mas e a fome num mapa do Brasil eu conheci na faculdade de nutrição.

Quem o fez foi Josué de Castro, médico, geógrafo, professor, escritor e ativista contra a fome.

Luciana Kimie apresentou no “Papo à Mesa” Verakis o livro “Geografia da Fome” deste autor, publicado em 1984. De cunho científico, embasado em dados sólidos, ele mostra como podemos analisar o Brasil pelas lentes da fome. Fome, que segundo Josué de Castro, não é um acaso, mas sim um fenômeno com dimensões geográficas e políticas.

O autor subdividiu o país em quatro regiões: área amazônica, nordeste açucareiro, sertão do nordeste e centro sul. 

Na região amazônica, eram poucas pessoas em comparação com a dimensão enorme de áreas e uma floresta rica e biodiversa, mas nem por isso todos comem bem: uma região explorada por seus recursos, via, assim, as consequências graves da fome na saúde dos que lá viviam. Já no nordeste açucareiro, uma região com características diferentes, a fome também se apresentava. A região, com um histórico de exploração e escravização, tinha mais pessoas em um mesmo espaço, muitas a trabalhar no interior nas lavouras de cana-de-açúcar. Nessa parte do mapa da fome, o problema principal não seria a falta de alimentos, mas a quantidade limitada de grupos importantes como frutas, verduras e carnes.

Não muito longe da segunda área, temos o sertão nordestino. Sim, aquela parte do nordeste brasileiro que sofre com um clima seco. Lá, pela falta de alimentos e água, a fome se expressa na magreza extrema, e portanto, muitos fugiram desta região, ocasionando um êxodo rural. A última área, que não por acaso, é também a maior, consiste no restante do país, contabilizando suas zonas central e sul. Nessa área, o consumo de frutas e verduras é maior, a fome se apresenta com deficiências alimentares mais discretas. É interessante também que, se colocarmos uma lupa nessa área, enxergamos essas deficiências se concentrando em regiões específicas, juntos às populações mais pobres.

É com esse olhar geográfico que percebemos que a fome não é um fenômeno biológico aleatório. Muito pelo contrário, ela muitas vezes tem endereço. Josué de Castro assim sugere que as regiões mais ricas dediquem cuidado e atenção àquelas regiões mais pobres.

Ainda que o livro tenha sido escrito no século passado, ele se mantém muito atual. Como a Luciana destaca, a desigualdade no Brasil se estende até os dias atuais, onde poucos enriquecem muito, e a grande maioria continua vivendo com pouco, e assim, segue vivendo com fome.

Para entender melhor o livro e ficar por dentro dessa interessante discussão, assista ao vídeo do “Papo à Mesa Verakis” pelo : https://www.youtube.com/watch?v=5UZcjOpEzH4 

Lauren Yurgel, estagiária Verakis, nutricionista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.