Comer é uma ação primária.
Mas em um mundo onde a relação com a comida é estabelecida pelo relógio e pelo bip do micro-ondas, é de se esperar que a conexão do instinto humano com a natureza esteja enfraquecida.
Já não se sabe quais são os frutos locais ou em qual época eles amadurecem. Os saberes do cultivo não fincaram e os cadernos de receitas estão engavetados.
É mais rápido, simples e acessível ir ao supermercado ou executar receitas de blogs. Todavia a dimensão simbólica da alimentação não é encontrada na descrição das embalagens.
Em um consumo de massa, a reconexão com o alimento parece utópica. Há uma necessidade de conhecer a terra e usá-la de forma consciente, de redescobrir e registrar os saberes tradicionais, e atrelado a isso, usufruir das facilidades que a tecnologia permite.
O “Terra Madre” torna o que era utopia, um caminho verossímil.
Semelhante a Mario Quintana, enquanto eles passarão, o “Slow Food“ passarinho[1]: desacelera o imediatismo da sociedade, mas também reconecta com a essência primitiva da alimentação.
Assim formou-se o “Terra Madre”, que é um projeto que descortina a possibilidade de conectar pessoas com o princípio do alimento bom, limpo e justo.
Iniciado em 2004, o “Terra Madre” é realizado bianualmente em Turim e objetiva a construção de uma rede mundial de atores envolvidos na cadeia de produção de alimentos.
A Comunidade do Alimento do “Slow Food“ integra produtores, cozinheiros, artesãos, acadêmicos, agricultores, jornalistas entre outros. Esses profissionais, por possuírem interesses em comum, compartilham saberes e experiências[2].
O Terra Madre Brasil Edição 2020 tem como temáticas norteadoras: a Cultura Alimentar e Biodiversidade; a Educação Alimentar; a Segurança Alimentar e Nutricional, e Alimentação Escolar; Incidência Política e Mobilização da Sociedade Civil.
Há exatamente 10 anos, o “2º Terra Madre Brasil”, realizado em Brasília, teve como temática central a diversidade de sabores e de saberes, e com profissionais de diversas áreas de atuação, discutiu-se sobre produção sustentável, consumo consciente, conhecimentos tradicionais, acesso ao mercado, o papel do alimento nos rituais, valorização do patrimônio culinário local e educação alimentar[3].
Com uma rede multifacetada, o “Terra Madre” possibilitou debates para tomadas de decisões viáveis e soluções de problemas respectivos à alimentação, produção e sustentabilidade.[4]
Assim, a edição de 2010 foi encerrada com as seguintas propostas que são binualmente revistas e discutidas:
PRODUTORES
- Selos/Certificação: Identificou-se que é necessário descomplicar a obtenção e facilitar o acesso aos produtores. Selos e certificações oportunizam agregar valor ao produto.
- Acesso à informação: É preciso tornar acessível e disseminar as informações. As mídias sociais são ferramentas para esse incentivo.
- Comunicação com a universidade: É importante que os produtores recebam apoio das universidades e que desenvolvam pesquisas. Ingredientes locais são importantes.
- União: Formação de agricultores que defendem a produção de alimentos em concordância com o “Slow Food“: bom, limpo e justo.
- Proteção: Ampliar a lista de ingredientes protegidos para preservação dos alimentos e da comunidade.
UNIVERSIDADE:
- Discussão: Criação de fórum virtual temático para possibilita a conexão após o evento. A troca de saberes e experiências entre os atores da rede deve continuar.
- Parcerias: Estabelecer acordo com órgãos públicos para realização de editais, linhas de pesquisas e bolsas de extensão. É oportuno o interesse em trabalhar com comunidades como também desenvolver pesquisas de ingredientes.
COZINHEIROS E EMPRESÁRIOS:
- Rede: É necessária a atuação direta com a agricultura familiar. Assim, estabelecer uma rede entre os produtores e o restaurante impulsiona o uso e difusão dos ingredientes locais.
- Projetos: Identificar o território e a história alimentar, descobrir ingredientes e sabores ainda desconhecidos no Brasil. Aprender técnicas e saberes com os agricultores. Promover encontros entre agricultores.
Devido a pandemia o “Terra Madre 2020” será um evento totalmente online. O que de um lado encurta a conexão dos atores, de outro, é uma oportunidade para expandir o público, uma vez que o evento tornou-se mais acessível.
A Verakis acompanhará e evento que acontece entre 17 a 22 de novembro. Fique atento!
Texto: Nayane Bezerra
Curadoria e edição: Paula de Oliveira Feliciano
Nayane Bezerra é graduada em Gastronomia pelo Instituto Federal do Ceará, pós-graduanda no curso Cozinha Brasileira no Centro Universitário Senac Campos do Jordão e estagiária da Verakis.
Paula de Oliveira Feliciano é mestra em Culturas e Identidades Brasileiras pelo IEB/USP, graduada em Gastronomia e pós-graduada em Docência para o Ensino Superior. Atua como chefe de Projetos Verakis Brasil e como professora nos cursos de graduação e pós-graduação em Gastronomia no Centro Universitário Senac Campos do Jordão. Em 2018, passou pelo programa de estágio da Fundació Alícia/Espanha, centro de pesquisa em cozinha, sustentabilidade e impacto social. E, em 2019, pelo Observatori d’Alimentació da Universitat de Barcelona (ODELA-UB), desenvolvendo atividades na linha de pesquisa turismo gastronômico.
Saiba mais:
ANDREWS, G. (2010). Slow Food. Una storia tra politica e piacere. Bologna: il Mulino, 2010.
QUINTANA, Mario Quintana: poesia complete. P.257. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005
SLOW FOOD, Fondazione Slow Food per la Biodiversità ONLUS. Bilancio sociale 2011. Bra (Cn), Firenze: 2011.
SLOW FOOD. Bem-vindos ao nosso mundo. O manual. Bra (Cn): Slow Food, 2013.
[1] QUINTANA, 2005
[2] SLOW FOOD, 2011; 2013.
[3] SLOW FOOD, 2010.
[4] ANDREWS, 2008; SLOW FOOD, 2013.