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2022

ALERTA PARA CATÁSTROFE ALIMENTAR

Guerra, mudanças climáticas e controles de exportações ameaçam a segurança alimentar global, colocando dezenas de milhões de pessoas em risco de insegurança alimentar.

Guerra, mudanças climáticas e controles de exportações colocam dezenas de milhões em risco.

O ano de 2022 chegou com muita esperança na mente das pessoas. A vacinação estava
adiantada e as medidas restritivas foram afrouxadas, por essa razão, havia uma expectativa de retomada da economia, a volta ao “novo normal”.

Ainda com uma instabilidade no comércio internacional de alimentos, o que não se esperava era que fosse deflagrada uma guerra, em que todo o sistema alimentar entrasse em colapso.

O comércio entre países poderia finalmente se restabelecer, fazendo com que mais de 20%
das calorias do mundo e mais de 18% de seus grãos cruzassem ao menos uma fronteira na
jornada do arado ao prato, matando a fome de quem mais necessita. Nesta altura, o número de pessoas com acesso a alimentos para manterem-se vivas ou para sua subsistência aumentou de 108 milhões para 193 milhões nos últimos cinco anos, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos da ONU (UN’ World Food Program).

Tal agravamento da fome e da insegurança alimentar deveu-se muito à pandemia, a qual
prejudicou cadeias de abastecimento, interrompeu o trabalho agrícola, o comércio internacional e reduziu os rendimentos. Situação esta que foi intensificada pelo aumento do preço da energia e dos transportes, enquanto os efeitos da situação pandêmica se dissipavam.

Como se não bastasse, ainda no ano anterior, a China anunciou uma quebra na produção
devido à gripe suína. Seu impacto foi enorme, uma vez que a China representa metade da
produção suína mundial, que consome toneladas de grãos, gerando picos de preços em toda a linha. (Barros, 2022)

A produção de alimentos tem ainda sofrido impactos pelos desequilíbrios climáticos
em todo o mundo, haja vista a repercussão da La Niña, fenômeno meteorológico que chegou com mais força no último ano no Pacífico, além das secas que atingiram a América do Norte.

Com a guerra da Ucrânia a instabilidade na produção e distribuição de alimentos se acirrou e tornou-se um problema global, o qual aparentemente não está sendo visto com a devida importância pelos demais países. Desde que a guerra começou milhares de ucranianos perderam seus lares, plantações foram destroçadas, toneladas de alimentos foram destruídos ou deixados apodrecer.

No campo, fragmentos de bombas, detritos, caminhões queimados ficaram espalhados. À Rússia, a seu turno, sanções foram impostas e reflexos indiretos foram sentidos. Estamos a falar das nações que representam 12% das calorias negociadas, 28% do trigo comercializado globalmente, 29% da cevada, 15% do milho e 75% do óleo de girassol.

Parte da produção serve como alimento animal. Rússia e Ucrânia contribuem para metade dos cereais importados pelo Líbano e pela Tunísia e, somente as exportações da Ucrânia servem para alimentar 400 milhões de pessoas. De acordo com a ONU, só a Ucrânia produz mais de metade do trigo utilizado pelo Programa Alimentar Mundial, a agência das Nações Unidas que apoia países de todo o mundo no combate à fome.

Vemos que a guerra não está só no campo de batalha, ela está a destruir vidas de pessoas a
quilômetros de distância.

No Porto de Odessa muito da produção está presa, devido à invasão russa.

O local é onde normalmente passa 98% da produção de grãos do país. Escoar esta produção para portos alternativos é difícil, mas, segundo especialistas, 20% da colheita poderia viajar por trem ou estradas para portos da Romênia ou Bálticos, se houvesse um esforço conjunto das nações.

Como reflexo, países como a Índia impõe restrições às exportações. Impactada pela guerra e penalizada pelas ondas de calor intenso e fora de época, que prejudicaram as lavouras de trigo no país, gerando aceleração das exportações, incentivada pelos altos preços no exterior, a Índia levantou preocupações quanto à escassez de alimentos.

Outros países como Indonésia, responsável pela produção de 60% do óleo de palma de todo o mundo, também disse banir as exportações a fim de evitar riscos de segurança alimentar e diminuir o preço de custo dos alimentos locais.

Atualmente, 26 países estão implementando severas restrições às exportações de alimentos. Na maioria dos casos, são proibições definitivas.

As várias medidas cobrem 15% das calorias comercializadas em todo o mundo. Nesta toada, os preços dos grãos dispararam. Tendo recuado um pouco à medida que o choque passou, mas estão em ascensão novamente.

Há ainda acordos comerciais bilaterais de longa data que fazem com que o trigo não seja
comercializado globalmente, favorecendo uns em detrimento de outros (com mais
necessidade e menos estoque deste tipo de alimento), além de dificultar a troca de
fornecedores. De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação), cerca de 50 países dependem das exportações da Rússia e/ou da Ucrânia, deste montante, há 26 países em que a dependência chega a mais de 50%.

Outrossim, a guerra também impacta no fornecimento de gás, pesticidas e fertilizantes, hoje escassos e com preços altíssimos. Há falta de energia e insumos para um novo plantio.

Mesmo com esforços de nações a atender a demanda no setor, como novas usinas de gás na Nigéria e Catar, bem como o aumento da produção de potássio no Canadá, os preços
continuarão altos, o que afetará todo tipo de agricultura.

Assim sendo, mesmo o arroz, para o qual não há preocupações com a oferta, terá indicador de volatilidade de preço compilado pelo International Food Policy Research Institute em Washington, DC.

O aumento do preço dos alimentos, as mudanças climáticas, a guerra fazem com aumentem ainda mais as migrações. Os danos sociais, políticos e econômicos, além de revoltas populares se fazem sentir em todo o globo. Até nas nações ricas há pessoas que passam fome.

No entanto, vê-se que a crise se sente mais em mercados emergentes. O Banco Mundial
estima que cada 1% de aumento nos preços dos alimentos empurrará dez milhões de pessoas para a pobreza extrema.

Nas nações emergentes, os alimentos consomem algo como um quarto do orçamento doméstico, em oposição a menos de um quinto nas economias avançadas. Na África Subsaariana o número é de 40% e, os grãos compõem uma parte maior desses orçamentos do que em lugares mais ricos.

É preciso um mundo para alimentar um mundo, e a maneira como o mundo faz isso é através do comércio.

Neste diapasão, os Estados precisam agir em conjunto, começando por manter seus mercados abertos e a pensar em estratégias para a soberania alimentar. Como afirma
Eric Muñoz, consultor sênior de políticas para agricultura na Oxfam (Comitê de Oxford para Alívio da Fome), a entidade humanitária sediada em Nairobi, no Quênia:

“Não há maior alerta do que o momento atual, com o preço dos alimentos nos céus e o rápido crescimento da fome, para uma conversa séria sobre repensar nossos sistemas globais de alimentos.”. (SORVINO, 2022).

Patricia Faé Le Voci – Lisboa 27 de maio de 2022

Patricia Faé Le Voci é Patrícia Faé Le Voci – Advogada pela Universidade Mackenzie, e Especialista em Empreendedorismo Marketing de Agroailimentar pela Verakis/Cederul da Universidade de Zaragoza.

Fontes :

A world grain shortage puts tens of millions at risk: War, extreme weather and export controls are all contributing. The Economist. Maio 2022. Disponível
em:. Acesso em: 23 maio 2022.

BARROS, Duda Monteiro. Vírus de gripe suína reaparece e volta a assustar a Ásia: Apesar de não afetar humanos, peste suína africana pode ter impacto significativo na segurança alimentar por meio da diminuição e perda de produção. Revista Veja. Março 2022. Disponível em: . Acesso em 24 maio 2022.

EUA enfrentam pior seca em 1200 anos na zona oeste. STF Rádio Notícias, Fev.2022. Disponível em:. Acesso em 25 maio 2022.

Índia suspende exportação de trigo e preço dispara em Chicago, Canal Rural, maio 2022. Disponível em:. Acesso em 25 maio 2022.

LUSA. Organização internacionais pedem ao mundo para atuar perante falta de alimentos. RTP Notícias, Abril 2022. Disponível em: https://www.rtp.pt/noticias/mundo/organizacao-internacionais-pedem-ao-mundo-para-atuar-perante-falta-de-alimentos_n1398392>. Acesso em 25 maio 2022.

Mesmo mais fraco, La Ninã causará aumento da temperatura média global. ONU News, Dez. 2021. Disponível em: . Acesso em 25 de maio 2022.

SORVINO, Chloe. Catástrofe global de fome está sendo alimentada pela guerra na Ucrânia: Conflito reacende as incertezas da segurança alimentar no mundo, enquanto grandes produtores buscam alternativas, como EUA e Brasil. Forbes. 24 de março de 2022